02 de outubro de 2014

Médico cubano humaniza atendimento e apoia planejamento familiar em subúrbio do Rio de Janeiro

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alecido em 1997, em decorrência de complicações causadas pela Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), Betinho era hemofílico e ficou conhecido em todo o país por sua luta pela transformação social contra a pobreza e a desigualdade.

Ele foi o fundador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), das organizações não governamentais Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida e da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (Abiaids).

Se vivo fosse, Betinho poderia se orgulhar da Instituição que lhe rende homenagem. A Clínica da Família Herbert de Souza, inaugurada em janeiro de 2011, atende a uma demanda de aproximadamente 20 mil pessoas, abrangendo parte da população dos bairros de Tomás Coelho e Engenho da Rainha, além das comunidades Silva Vale, Morro do Juramento, Juramentinho, Engenho do Mato, Martin Luther King Jr. e Maracá.

"As pessoas do entorno são muito carentes, migram de um lugar para o outro na mesma região e acabam todas sendo atendidas aqui”, conta Verônica de Oliveira Souto, gerente da Unidade.

Na tentativa de promover uma vida mais saudável e focar na prevenção de doenças, a clínica conta com uma academia carioca e um professor de educação física. São oferecidas aulas de aeroboxing, alongamento, ginástica e grupos de caminhada. A clínica também possui uma horta fitoterápica, um grupo comunitário de artesanato e uma farmácia popular para entrega de medicamentos.

Com cinco equipes de saúde da família, um dos problemas enfrentados pela clínica era um velho conhecido das unidades de saúde alocadas em áreas de vulnerabilidade social da capital: a dificuldade na fixação de médicos na unidade, e a alta rotatividade de profissionais. "A clínica fica situada em um território de divisa de facções do crime organizado, então, infelizmente, algumas vezes temos casos de conflitos armados no entorno, e isso é um fator que dificulta a permanência. Mas, com a chegada de um médico cubano do Programa Mais Médicos, de um médico residente e com a contratação de novos profissionais brasileiros, a situação melhorou. Ultimamente, nós temos uma continuidade maior de pessoal aqui na clínica”, conta Verônica.

Programa de Planejamento Familiar

Com 6.890 famílias cadastradas, uma inovação que, em breve, será oferecida na clínica é a colocação de Dispositivo Intrauterino (DIU), de forma gratuita, nas pacientes que participem do Programa de Planejamento Familiar.

"No início do trabalho aqui na clínica, me perguntaram se eu tinha experiência em colocar DIU e eu disse que sim, porque fazia isso em Cuba, como parte da atenção básica de saúde familiar. Depois, passamos a treinar os agentes comunitários da equipe, para que eles possam orientar as mulheres que se interessem e tirar as dúvidas, já que elas devem realizar uma série de exames antes de começarem a usar qualquer método contraceptivo”, explica Gregory Antonio Perez Hector, médico cubano do Programa Mais Médicos, no Brasil desde outubro de 2013.

As pacientes cadastradas no programa devem apresentar um preventivo recente, um ultrassom comprovando que não há suspeita de gravidez e participar de três encontros informativos com o médico e os agentes comunitários antes da inserção do dispositivo.

Marcelle Marques Barreto, 22 anos, soube do programa de planejamento familiar oferecido na unidade e está fazendo os exames para colocar o DIU. Casada, tem um filho de quatro anos e não quer engravidar tão cedo: "A intenção é poder ficar bastante tempo sem me preocupar e poder planejar bem quando eu quiser ter outro”. Ela já fez o preventivo, a ultrassonografia e agora está esperando apenas marcar a data de colocação. "A expectativa é grande. Meu marido é super a favor. Até porque nós somos novos, e eu posso retirar o DIU depois se a gente resolver”, ensina.

Assim como em todo o Programa Mais Médicos, o trabalho desenvolvido por Gregory na clínica conta não só com o apoio da equipe da unidade de saúde, mas também com a supervisão de uma universidade local. Fernanda Pereira de Paula Freitas é professora do Departamento de Medicina de Família da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e supervisora de Gregory no Programa Mais Médicos: "A universidade oferece um apoio técnico pedagógico ao programa. Existe o tutor, que é quem organiza o programa no município e existem os supervisores, como eu, que têm esse contato direto com os médicos”, explica.

 

Dona Vilma com o médico cubano, Gregory. Foto: OPAS/OMS

 

Fernanda faz visitas regulares às unidades onde estão inseridos os médicos e conversa com eles sobre o andamento do trabalho, a realidade, a rotina e as dificuldades. Os supervisores fazem reuniões mensais, preenchem relatórios com avaliações e ajudam nos temas que precisam de aprofundamento: "A implantação do DIU é feita em todas as unidades básicas de saúde. O que nós fazemos é destacar um profissional formado, com experiência, para acompanhar esse processo nas unidades, apoiar e capacitar essa prática, que é feita somente por médicos”, conta ela.

O planejamento técnico científico oferecido pelas universidades vinculadas ao Programa Mais Médicos promove ainda capacitações, debates e os encontros regionais, onde são escolhidos temas relevantes, de acordo com cada área de supervisão. "Como exemplo, nós vamos ter em breve um encontro sobre tuberculose, onde vamos discutir quais são as dúvidas mais frequentes dos médicos em relação às condutas com a doença. Muitos estrangeiros não estão habituados a esse tipo de patologia, que tem uma forte característica regional”, explica a professora.

Segundo o médico cubano, a tuberculose é, realmente, uma das doenças com maior incidência na sua área de cobertura, além de hipertensão, diabetes e HIV (vírus da imunodeficiência humana). Ele destaca a relação com a supervisão e com a equipe como um dos pontos positivos do trabalho. "O intercâmbio aqui é muito bom, desde o pessoal da limpeza até a gerente do posto e a supervisão. Cada um me ensina uma coisa. Temos trocado muitas experiências e isso tem sido muito positivo”, avalia Gregory.

A saúde como um todo

Moradora do Morro do Juramentinho, Dona Vilma conta que a consulta com Gregory foi a primeira em que recebeu um atendimento humanizado: "Eu estava com dor no corpo, febre e dor de cabeça. Já tinha ido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), eles falaram que era uma virose, me deram uma dipirona e me mandaram para casa. Ele não. Ele me examinou toda, dedicou tempo para isso. Ele não é que nem os outros, que te olham e falam ‘é só uma virose’ e te mandam para casa. Em 64 anos que eu vou fazer, foi a primeira vez que eu tive um atendimento assim. Ele me passou uma série de antibióticos, durante sete dias. No terceiro dia eu já estava de pé. Segui o tratamento direitinho e desde então não tive mais nada, graças a Deus”.

"Todo o ser humano tem o direito a ter saúde com qualidade. E a nossa formação em Cuba é bem completa, em todos os aspectos, para trabalhar na comunidade. A medicina familiar prega o intercâmbio íntimo com o paciente, e não só na parte biológica, mas também na parte psicológica, cultural, social e no contexto em que o paciente vive”, diz o médico.

Gregory acredita na importância do fortalecimento da atenção básica de saúde para a prevenção de doenças e a promoção da saúde da população: "A medicina não é só ter um hospital com todo o equipamento para que o paciente chegue já doente e você cure o paciente. Essa medicina também tem que existir, mas o trabalho do médico na atenção básica é importante para tentar evitar ao máximo esse agravamento”.

Nesse contexto, além das atividades de promoção de vida saudável, bons hábitos alimentares e atividade física, o médico cubano afirma ser fundamental manter uma agenda que permita visitas domiciliares e não apenas a ida dos pacientes ao consultório. "As visitas domiciliares são fundamentais na atenção básica, porque você vê as condições de vida do seu paciente. Se tem um chão de terra, se tem água tratada para beber, se a coleta de lixo é feita, que são causas de doenças na população.”

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde como um estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades. Gregory concorda integralmente com essa visão e acredita que está fazendo a sua parte, contribuindo para a democratização da atenção médica para todos: "Eu gosto muito do meu trabalho, gosto de ajudar as pessoas. Se eu nascesse de novo, ia voltar a estudar medicina familiar”, sorri.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) no Brasil e o Ministério de Saúde assinaram um Termo de Cooperação para colaborar na expansão do acesso da população brasileira à atenção básica de saúde.

O termo inclui diversas linhas de ação, desde documentar, disseminar informação a prover aconselhamento técnico e apoio à capacitação e treinamento continuado aos médicos selecionados, seguindo as recomendações do Código Global de Práticas em Recrutamento Internacional de Pessoal de Saúde da OMS. A OPAS/OMS também assinou um Acordo de Cooperação de natureza similar com o Ministério de Saúde Pública de Cuba. Saiba mais em http://bit.ly/1tA8X2j

Assista à reportagem das Opas/OMS:

 

 


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